Imperfeições

cadeira de balanco

O casebre despertou a atenção do jovem solitário que por ali passava. Poderia ter feito uma foto, mas num ímpeto de coragem, sentou-se na cadeira da varanda que jazia sobre o piso de cimento desgastado e encardido. Os pingos de tinta salpicados no chão e oriundos da parede recém pintada, lembraram-no do óbvio: quanta negligência e falta de primor! Se suas imperfeições faziam-no sofrer, as alheias eram inaceitáveis. Quem poderia ter se esquecido de retirar estas gotas azul-pálidas deste chão? Virou a cabeça na esperança de desencontrar os pensamentos, mas deparou-se com a porta de ferro esculpida em forma de grade. Os que ali moravam acreditavam ser ela um estorvo necessário a eventuais estranhos. Ele não morava ali e sabia que estranhas eram suas reflexões, intensas e penosas, presas entre a mente e a boca. No entanto, era homem de coragem, daqueles que poderiam admirar o feio, nunca o imperfeito. Por isso, envergonhou-se do chão, da parede e da porta e quis desistir por não saber como sentir-se diferente, melhor. Levantou-se. Insistentemente lançou um último olhar e virando-se para trás, viu a cadeira, despercebida até então. Seu corpo pesado e sentado ofuscara o tão evidente laranja. No afã de encontrar beleza, respirou aliviado.

Aline Serfaty

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