Janelas

Neste momento, sobrevoo algum lugar entre Los Angeles e Houston. Da janela, olho para baixo, e vejo uma geografia desértica, monocromática. Sentado ao meu lado, um militar. Observo as cores da sua roupa, e penso nas histórias e dores que a farda imprime ao homem.

Minutos antes, na decolagem, ele faz o sinal da cruz, marcando, em seu peito, a presença do pai, do filho, e do Espírito Santo, num ritual de proteção.

A aeromoça distribui um pretzel, mas almejo um prosecco em uma tentativa de empurrar a ansiedade janela afora. Enquanto o álcool não confunde meus sentidos, busco conhecimento em artigos científicos e me distraio por aqui, escrevendo. Reflito sobre os últimos dias e me percebo embarcando novamente no ciclo criativo que me traz o tom – o meu tom, as minhas palavras, a minha ciência. Observo minhas conexões mentais ferverem entrando em ressonância com a curiosidade que me faz buscar mais e mais.

Olho ao redor de novo. A aeromoça me pergunta o que quero e substituo o prosecco por café. O militar parece dormir. Será que sonha? Não puxo assunto. Escolho imaginar. “É muito jovem… Casou-se? Tem filhos? Talvez viva em alguma base militar elucubrando sobre invasões inimigas”. Por alguns segundos, visito minhas bases. Conheço bem meus inimigos. Moram em lugar não remoto, dentro de mim. Gostam de trazer desequilíbrio à corda bamba da vida. Fecho os olhos e empurro emoção e pensamentos janela afora, junto com a ansiedade.

Embaixo, a nuvem corre célere junto com o avião, que perde altitude. O chão se faz presente em um confronto entre pista e rodas. Portas abertas. Vamos todos embora.

Sem apresentações, sorrisos ou despedidas, seguimos nossos destinos, incógnitos. Enquanto espero pelo próximo voo, no saguão do aeroporto, tenho meu prosecco. As bolhas, inquietas, trazem efervescência à vida, à minha vida. Observo os passageiros e aguardo o próximo destino. A próxima história. Sem peso, sem farda, espero por outras janelas.

Aline Serfaty

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Revisado por Fabiana Serra 

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2 comentários sobre “Janelas

  1. Viajar sempre traz uma certa inquietação. A gente quer chegar logo ao destino. E não sabe o que vai encontrar pelo caminho.
    Certa vez, num voo desses nos EUA, conversei com um militar que sentou ao meu lado. Rapaz jovem. Estava voltando pra casa. Perguntei o que tinha motivado sua ida para a guerra e, sem hesitar, respondeu que o governo pagava bem.
    Aline, seu texto é primoroso. E sempre penetra em algum lugar escondido em mim.
    Parabéns por chegar ao centésimo conto!

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  2. Sempre inquieta e curiosa. A curiosidade nos faz mover. Sou de olhar as outras pessoas e imaginar a vida q levam. Suas rotinas chatas, ou boas. That’s life. Bjs 👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽

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