Desacreditada, vivia uma vida morna. Envelhecia. Lia mais do que dançava e bebia para matar a sede. Nunca fora assim. Não era metade. Era tudo. Ou nada. Era inteira.
Ansiando por mudanças, conheceu o futuro nas palavras dos que olham as posições das estrelas e jogam cartas. Entendeu que precisaria mexer-se, desarrumar-se. Então, convidou-o. Entraram juntos em uma história de prazer e angústia, sentido-se únicos. Vivos. Ela finalmente encontrara alguém que a percebia. E ele dera voz a sua alma, antes muda. Acostumados a esconder-se, fecharam a porta da pequena sala e permitiram toda luxúria que lhes passou à mente. Suas mãos deslizavam pelo corpo desejado, seus lábios mordiam sua pele e seus olhos fechados, miravam-na, fixamente. Ofegantes, liam-se. Mesmo que por um pequeno instante. Descarregavam volúpia e enchiam-se de prazer. Incansavelmente.
Por muito tempo, acreditaram que seria suficiente. E talvez ainda acreditem. Talvez pensem que escondidos dos olhares curiosos, escondam de si seus sentimentos, como um acordo velado, no qual o receio lhes cala a boca. Resta-lhes apenas a leitura que fazem dos seus olhos. Dos seus corpos, sentindo-se compelidos a misturar-se. Tocar-se.
Conscientemente, sabe que conhecê-lo foi um alento que a fez mergulhar profundamente em si, e procurar no âmago, o desconhecido. No entanto, questiona-se. Racionaliza os sentimentos, transformando-os em história contada, falada. Enquanto fala, liberta-se do peso que carrega. Mas não se vê livre da paixão, do vício, e do que a resgatou do morno. Do velho. Descobre que sessões semanais com amigos e terapeutas trazem a paz que há muito não encontra. Mesmo que efêmera. Percebe, ao final de cada dia, que ainda não está pronta para abrir mão desta história. Despede-se do bom senso. Segue seus instintos.
Aline Serfaty