Olhou para o alto da estante e viu alguns de seus livros, organizados sistematicamente. Por um segundo, pensou em repassá-los, mas desistiu. Ainda não poderia ler o último ponto final da página derradeira do romance. Ainda não.
Cansada, sentou-se em sua cama, acendeu o abajur e junto com ele, as memórias. Os olhos, fechados, transportaram-na diretamente ao dia em que se conheceram. Com intensidade viveram seus encontros. E com pesar, viram-se com outros amores e paixões. Entre eles, nada se previu. E diante de tantas incertezas, melhores foram os dias de diversão que culminavam com o furor incontrolável do desejo acolhido.
Os anos se passaram e a juventude excitante deu lugar à calmaria dos que envelhecem. Separados há anos, viviam em lugares que não comportavam paixões.
Na casa dela, a campainha finalmente toca e uma pequena caixa lhe é entregue. Dentro, um livro. O remetente, desconhecido, suscitou dúvidas e cutucou algo nela adormecido – a curiosidade. Pensou ser engano, mas a letra no local do destinatário era clara e, com facilidade, leu seu nome. Resolveu devolver a gentileza, enviando, para aquele mesmo endereço, um dos seus livros preferidos. A cada nova encomenda à sua porta, um novo remetente, com nome, muitas vezes, inusitado. Apenas o endereço se manteve o mesmo por todo o tempo em que se corresponderam.
Para ela, não foi difícil saber quem, na verdade, lhe enviava os títulos. Tentavam, assim, restabelecer o que lhes fora roubado – histórias. Ademais, divertiam-se. Trocaram inúmeras preferências literárias e com o tempo, passaram a enviar, junto com os livros, o motivo daquela paixão. “Travessuras de uma Menina Má”- encontros e desencontros; “Cem Anos de Solidão”- “Tudo é questão de despertar sua alma”; O Tempo Entre Costuras – antepassados.
Finalmente namoraram. Não da forma convencional. A cada novo livro, reflexões e novidades. A cada personagem, projeções e expectativas.
Um dia, marcaram um encontro real, no café de uma livraria. Ela o esperou em uma mesa discreta, de apenas dois lugares. Sentaram-se de frente e olharam-se fundo, inferindo a leitura de seus corpos e reconhecendo pensamentos.
Ele foi seu refúgio. Ela, a personagem mais forte que conheceu. Sua história de amor, o melhor livro que nunca escreveu.
Ainda se folheiam. Diariamente.
Aline Serfaty
facebook.com/contocurtasetcetera
Revisado por Fabiana Serra
Muito Lindo!
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Que primor, Aline, manda pra um concurso, please! Beijos, saudades!
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Obrigada, Cecilia! Adoraria! Você conhece algum? Tenho muita vontade de mandar alguns dos meus textos…
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Muito lindo Aline ! Emocionante ! Quantas vidas vivenciaram uma história como essa é que poderia ser revivida dessa forma !!
Primo roteiro de um filme !!!!
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Muito feliz em te ver por aqui! Que bom que gostou!
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Perfeito Aline li teus contos para minha esposa e ela perguntou: Cecília Meireles ? Não minha colega de faculdade.
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Nossa! Que alegria vocês acabaram de me dar! Muito orbigada!!
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Sendo o amor um instinto indomável, ele transpassa os limites impostos pela sociedade. Olhares e gestos também dizem eu te amo.
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