Muros

E aqui estou novamente voltando à infância. Lá o caminho para o amor seguia regras. Havia de ser do jeito dela. Senão era duelo.

Entre nós, havia um muro que nunca quebrei. Um muro construído aos poucos à custa de tijolos de desafeto, de julgamento, de “poderia não ter errado”, “poderia ser diferente”. E perdida entre poder e não poder, escutava: “será que aqui há amor?”.

O tempo passou e com ele, acostumei-me aos nãos: o não olhar, o não respeitar, o não escutar. Quando tudo o que ansiava ouvir era o calor de um “está tudo bem”, “eu te amo mesmo assim” ou “eu te amo de qualquer forma”. Calçado nas sapatas do cuidado exacerbado e do academicismo, este muro não poderia ruir. Era duro, rígido, seco. Era cego.

Hoje, anseio por uma fresta nesse muro. Uma fresta de compreensão. Um buraco que me permita olhar além e enxergar um mundo diferente. Quem sabe do outro lado não está meu verdadeiro eu. Um eu que abraça antes de franzir o cenho. Um eu que, mudo, aconchega com o olhar. Um eu que demonstra amor.

Eu. Essa sou eu. Esse eu é meu. Perdido pelo muro, procurando pela fresta. Procurando por mim.

Aline Serfaty

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Revisado por Fabiana Serra 

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3 comentários sobre “Muros

  1. No muro também nos encontramos. Encontramos suporte, esteio e luz para ver a nossa existência na sombra que lá se projeta. Talvez não haja brecha, não seja importante. Você já é. Ser é assim, no incompleto.

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    1. “Ser é assim, no incompleto” foi uma das coisas mais profundas que li nos últimos tempos. Quantos não passam uma vida atrás de se completar (em si, em outros, com outros)? Existe beleza nessa incompletude. Passemos a percebê-la. Obrigada, Cecilia, pela sensibilidade e profundidade expressas em palavras.

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  2. O muro sugere barreira, limite. Pode ser alto, intransponível, principalmente na infância, onde tudo parece maior. E, diante do muro, construímos cenários, imaginamos o outro lado, desejamos o que não vemos e tentamos compreender esse enigma.
    São tantos os muros da vida: o silêncio, a indiferença, o olhar perdido, o reconhecimento que não veio, a presença que estava ausente ou a ausência que se fazia presente.
    Os muros também nos alertam e nos encorajam a seguir buscando novos caminhos.

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