Quatro Xícaras Por Dia

cafe

Na salinha de espera do consultório médico, o assunto era café. Entraram juntos, a senhorinha, a acompanhante e o filho. Ele nórdico, alto, meio careca, já nos seus quarenta, bem acima do peso, carregava a bengala da mãe e bradava, em alto e desinibido tom, as maravilhas, reportadas por um estudo inglês, das propriedades do café. Expresso, feito no coador, guardado na garrafa térmica, turco, irlandês. Segundo o estudo, 4 xícaras por dia preveniriam câncer e aumentariam a disposição para as tarefas diárias. Enquanto nos informava, citava sua preferência: expresso sem açúcar.  A senhora pode entrar, disse a secretária. E os três saíram da sala de espera. Enquanto minha pupila dilatava, ouvia de longe sua voz forte. Fazia excelentes recomendações sobre o oftalmologista do seu cachorro para a oftalmologista da sua mãe, que tem um shitsu com catarata. E emendava histórias, contava curiosidades, mas não matava a minha de entendê-lo. Quis traduzir em palavras o que a boca daquele homem jamais me contaria. Quis traduzir aquele corpo pesado. Tristeza disfarçada em eloquência e simpatia. Um homem solitário. Morava com a mãe? Trabalhava? Não sei. Não aparentava ter o brilho que o trabalho deixa despontar. O brilho de quem sabe que é dono de si, de suas vontades. Não aparentava ter interesses profundos sobre temas específicos. Solitário e superficial, ele tentava, com diálogos céleres, criar e sustentar vínculos que não aprendeu a construir. Saiu da sala de espera apoiando-se na mesma bengala que entrou. Entendi então, que era sua, a bengala. Sua mãe já aprendera a caminhar sozinha e terminava de trilhar os próprios passos, carregando consigo aquele filho que teimava em não se separar. Que contava velhas novidades. E que a seguia, com passos lentos, claudicantes. Sempre. Se tomou um expresso? Sim. Ele e eu. Por motivos diferentes, é claro.

Aline Serfaty

9 comentários sobre “Quatro Xícaras Por Dia

  1. Aline, adorei o texto!

    Nunca tive dúvida quanto à sua inteligência, capacidade, talento, vontade de vencer. Quisera eu, como você, saber passar para o papel de forma objetiva tudo o que me vem à mente.

    Graças a Deus, tudo o que você se propõe a fazer, faz com capricho, bem feito, dando de si o MELHOR. Portanto, filha muito querida, receba meus sinceros parabéns por tudo o que você é, sempre foi e continua sendo: inteligente, responsável, guerreira. Tenho muito orgulho de você!

    Um beijo com muito amor, carinho e respeito de quem muito a ama,
    Rachel

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  2. Boa iniciativa Aline. Escrever é sempre uma delícia e esse “causo” deixou um gostinho de quero mais. Bora deixar a imaginação fluir e encher esse blog de histórias. Bjs.

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