5, Rue du Nil.

Entre diversos episódios vividos na capital francesa, me recordo da vez em que Abed, ajudou-me a sair, por métodos não convencionais, do mini apartamento onde morava.

Sábado. Há meses usávamos casacos pesados, meias e botas. Minha amiga de quarto saíra cedo e levara, acidentalmente, as duas cópias da chave que mantínhamos. Desprevenida, acordei horas depois e chequei o tempo através das enormes janelas do quarto, sala, cozinha, tudo junto, onde morávamos. Sol. Calor. Vi sorriso nos semblantes dos parisienses que circulavam por ali, colocando por terra sua fama habitual. Vi seus pés, semidesnudos, em sandálias coloridas, revelando o início de uma nova estação. Era um dia perfeito para uma caminhada à beira do Sena.

Pronta para sair, percebi o incauto acontecimento. Abri as janelas, medi, calculei e em um lampejo de coragem, resolvi que deveria pular. Apoiando-me nas curvas do antigo prédio, talvez conseguisse chegar até o chão. Talvez não. Enquanto resolvia o que fazer, vi Abed, passeando por ali e contei-lhe o que aconteceu. Taciturno, continuou seu caminho, dando de ombros. Nunca poderia imaginar que voltaria, poucos minutos depois, carregando consigo, uma enorme escada. Sorrimos, cúmplices e colocamos o plano em ação.

Com os pés no chão, caminhei, sem destino, desfrutando a liberdade que me fora levada inadvertidamente. E que momentaneamente ofuscara minha lucidez, plantando em mim, uma vontade enorme de pular pela janela, de bater na porta até derrubá-la, mas não de chamar um chaveiro.

Neste dia de verão, conheci um pouco mais meus limites. Minhas prisões. Busquei, cegamente, a liberdade que julguei encontrar caminhando pelas ruas da capital francesa. Mas não fui capaz de perceber que fugia. De mim. Aos vinte e poucos anos, três metros de altura pareciam facilmente transponíveis. Aos trinta e poucos, acredito ter conquistado a paciência e a estima necessárias para antes, abrir uma garrafa de vinho.

Aline Serfaty