“Don Juan”

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Convicto, saiu do pequeno apartamento, deixando-a. O estampido da porta que acabara de bater lhe era familiar. Mantinha ali, encontros casuais, sorrateiros, onde dava vazão a sentimentos efêmeros.

Seus traços bem marcados e seu corpo irrepreensivelmente modelado, incitavam cobiça. Jovem, aproveitou as oportunidades que teve com excelência, formando-se e seguindo promissora carreira. Não demorou muito para que se casasse. Criado a partir de parâmetros sexistas bem estabelecidos, sabia o papel da esposa no lar. Para ele, restava o trabalho duro e honesto, traduzido em horas diárias de dedicação árdua, que transformaram sua vida, dando-lhe o conforto e o supérfluo que tanto lhe faltaram no passado. Mantinha, em casa, uma vida plácida com a esposa e filhos ainda pequenos.

Na rua, revelava o caos que o preenchia.  Flertava as mais belas e interessantes mulheres que eventualmente cruzavam seu caminho. Só assim sobrevivia. Conheceu Ana em uma ocasião festiva. Sua roupa decotada e o cheiro forte do perfume despertaram o vulgar que ele tanto procurava. Percebeu intensidade em seus olhos e por um instante titubeou, questionando-se se nela projetava o que acabara de sentir. Decidiu que naquela noite fugiria do comum, rumo ao ordinário. Experiente, fitou-a e caminhou firme até o primeiro beijo. Era bruto. Escutava apenas seus sentidos.

Terminaram aquele instante naquele pequeno apartamento. Familiar para ele, mas não para ela. No entanto, a regra que criara e que fielmente seguia era clara: apenas uma vez. Por isso, foi-se, deixando-a com seu cheiro ainda entranhado em seus pensamentos. Acreditava, assim, evitar sentimentos intensos em corações desprotegidos. Acreditava evitar em si, a culpa, que teimava em lembrar-lhe do “sim” matrimonial dito anos antes. Justificava-se dizendo que, desta forma, elas não se apaixonariam. Digo eu, que assim, ele nunca se apaixonou. Nunca entregou-se ao desconhecido, descontrolando-se e despercebendo as batidas do coração. Nunca secou a boca e perdeu a fala. Negava a dúvida e com veemência, negava as angústias e inseguranças que a vida insistiu em plantar-lhe. Era feliz. Era contido. Cabia dentro de um lar. Do qual nunca saiu. De fato.

Aline Serfaty

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