Hoje, às nove.
Andou e depois correu, porque a chegada era premente. Passou por ruas escuras, cujos raros postes traziam luz ao caminho. Seus pensamentos, obnubilados, eram interrompidos por lampejos de razão. Ao redor, o breu disfarçava o bege das construções monocromáticas. Repetitivas. Era noite, mas poderia ser dia. Já não reconhecia.
Hoje, às nove, lembrou-se. Mas, já eram dez e ele ainda corria. Queria poder lhe entregar o melhor de si, mas não sabia se conseguiria. O atraso lhe atirava à face suas imperfeições. No caminho, flores adornavam a escada. Nem elas eram perfeitas. As pernas em ritmo frenético davam corda ao coração. E nessa loucura contra o tempo, percebeu-se lutando contra si. Instintivamente, parou e sentou-se no degrau mais baixo.
Levantou a cabeça e com o olhar no horizonte, avistou um casal, que não lhe trouxe companhia. Seguiu buscando pelas ruelas escuras o endereço, ora tão familiar. Finalmente deparou-se com a porta de ferro vermelha, viva, que se abriu, permitindo-lhe a entrada.
– Te amo – disse, ainda buscando recuperar o ar. E o afeto.
Ali permaneceu enquanto sentiu-se completo. Tomado por súbita infantilidade, pensou que poderia ser para sempre. No entanto, suas vivências o faziam reconhecer friamente esta impossibilidade. Assim, ludibriando suas fraquezas, deixou que os ponteiros do relógio o guiassem para o minuto seguinte. E para outras andanças e anseios, além da porta vermelha.
Sublimou seus sentimentos e marcou, em local seguro, seu encontro com a solidão, onde tudo era mais fácil.
Hoje, às nove.
Aline Serfaty
facebook.com/contocurtasetcetera
Revisado por Fabiana Serra
Sempre muito bem escrito, sempre supreendente, sempre me enchendo de diferentes emoções!
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Esse deu trabalho Cecilia. Ficou “cozinhando” por mais de um mês. Precisávamos escolher as melhores palavras, a melhor ordem, a melhor sonoridade. Mas, também adorei o resultado! Bjs e obrigada por ser tão incentivadora deste blog!
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Muito bom.
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Profundo.
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