Menina

copia Juju

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“Ei menina, venha aqui!” Percebendo-a perto, passou a mão sobre sua cabeça, pensando demonstrar amor. Ela, pequena ainda, recebeu o toque pesado e hesitante, e entregou de volta apenas seu olhar, sincero. Àquela idade, não poderia entender que o tato que lhe acarinhava os cabelos era breve, e que permanentes seriam suas angústias. Despediram-se.

O telefone gritou nos ouvidos da pequena, chamando-a quase pelo nome. Ela, ansiosa, correu. Ganhava diariamente minimaratonas entre quartos, sala e corredor sempre que escutava aquele som. Disputava consigo o pódio, ao lado do aparelho que eventualmente lhe conectava a quem mais queria. O prêmio era a atenção que, muitas vezes, chegava em forma de convite para uma volta no bairro onde morava. Em um quarteirão ou dois, buscavam reduzir a distância que os separava – abissal. E assim, caminhando, ele afirmava àquela criança seu papel, trocando palavras e afeto – poucos.

O telefone tocou. Ela nem se mexeu. Crescera e aprendera com o tempo que nada mudaria. Esperara inúmeras vezes, olhando a rua pela janela da sala do apartamento. A postos, via carros, ônibus e pessoas, que passavam. Mas, não o via chegar. Algumas vezes, recebeu desculpas que nunca enterraram seu descontentamento. Outras, não. E afinal, ela já havia se imbuído da desvalia que acreditara permear sua existência.

Muito tempo se passou.  Àquela idade ela sabia que não precisaria mais esperar. Então, com o telefone em mãos, chamou o número tão familiar. Dirigiu até sua casa, porque sentiu que precisava encontrá-lo. Estacionou em frente ao prédio e olhou para o alto. Ele não estava na janela. Nunca esteve. Por alguns segundos pensou que talvez a culpa pudesse atordoá-lo vez por outra. No entanto, sabia que seria do jargão que o acompanhou durante todos estes anos que se valeria – “Fiz o meu melhor”. Mal sabe ele que o seu melhor deixou marcas indeléveis na criança que padece ao ser preterida. Na mulher que, sem entender, sente o eco da falta. Sente o vazio. E sofre.  

A espera será eternamente seu algoz. E a rejeição, a sentença da qual, um dia, espera libertar-se. “Ei menina, venha aqui” – ele hoje chama. Com benevolência, ela fita aquele senhor, lembrando-se do toque em seus cabelos. Não percebe estranheza. Perdoou.

Aline Serfaty

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Revisado por Fabiana Serra 

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