
Era como se sorrateiramente algo atuasse em prol da união daqueles dois. Não bastasse a conexão transcendental que experimentaram ao primeiro olhar, perceberam haver ali algo a mais, ao que ela nomeou “sincronicidade”, e ele “coincidência”. De fato, o que se sucedeu foram inúmeros encontros fortuitos. O primeiro deles ocorreu no restaurante próximo ao hotel, que escolhido aleatoriamente por ela, calhou de ser ao lado da casa dele. Outras situações se sucederam e quando menos esperavam, lá estavam os dois. Olhar de soslaio, respiração em descompasso, coração e cabeça díspares. E entre as casualidades, acabaram por se habituar à dança, à sedução, e ao desejo, inicialmente sublimado, sempre presente. Por fim, vivenciaram um encontro. E outro. E mais outro. Todos seguidos de um “até logo” triste, gemido, mordido, mal saído da boca, tamanha a saudade que sentiam. O último seguido por um “adeus”, curto, torto, mudo. A razão subjugou o amor. Tornaram-se interrompidos, partidos, metades. Por longo período, abandonaram o pleonasmo da paixão e incorporaram o paradoxo da separação.
Mas havia algo sorrateiro, algo a mais. E assim, o acaso se fez surgir novamente e entre inúmeros possíveis dias, horários e companhias aéreas, encontraram-se em um voo. Assustada, ela se perguntou como. Pragmático, ele não soube explicar. E diante de tudo o que viveram (e sofreram), colocaram-se a refletir sobre as coincidências da vida, sobre os encontros raros e especiais. E sobre as relações que surgem dessas coincidências e desses encontros. Queriam para si, interações divertidas e profundas, como gostavam de ter e ser. Queriam entre si, expor vulnerabilidades e desejos. Queriam laços, interseções, comunhões. Queriam que fossem verdadeiros. E por tudo isso, esperaram. Contaram os dias e os meses. Quem sabe mais uma sincronicidade? Outra coincidência? E porque a dor da espera já a sufocava, tomou atitude: comprou um pequeno quadro de madeira onde impregnou seu cheiro, e borrifando perfume e palavras, escreveu: “Espero que se lembre de mim como a pessoa amorosa, alegre, inteligente e divertida que mexe com todas as tuas células, desorganizando-as, para que enfim entrem em ressonância – com as minhas.” Empacotou o presente, endereçou e colocou nos correios.
Nunca houve reposta. E ela até hoje se pergunta se houve extravio. Coincidência?
Aline Serfaty
Revisado por Fabiana Serra
Lindo conto! Expectativas diferentes. Desfecho contundente.
Sua veia de escritora está cada vez melhor. Adorei.
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Também adorei escrevê-lo! Bjs
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União. Conexão. Sincronicidade. Coincidência. Soslaio. Descompasso. Díspares. Casualidades. Encontro. Saudade. Adeus. Razão. Paixão. Separação. Laços. Interseções. Comunhões. Extravio.
Simples assim? Me extravio junto.
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Adorei também “pleonasmo da paixão e paradoxo da separação”! Seus comentários são maravilhosos! Um “a mais” para o blog. Obrigada!! Bjs
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Amo seus textos! Tenho cada vez mais a certeza da sincronicidade! Você faz a gente pensar!
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Também me coloco a pensar lendo e relendo meus textos. Confesso que cada vez que o faço, me atenho a algo diferente e penso, muito. Uma verdadeira terapia. Obrigada por aparecer por aqui. Bjs
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Como sempre, você sabe que adoro os finais não felizes.
Parabéns pelo texto!
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Como sempre, você sabe, adoro os finais não felizes! Parabéns pelo texto!
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Adoro os felizes e o não felizes, mas confesso que prefiro estes últimos. Já fomos inundados de contos de fada na infância. Aqui é vi-da: momentos de alegria, tristeza, emoções fortes, marasmo, felicidades pontuais, desdobramentos inesperados. E sobretudo, reflexões acerca da nossa essência e do que o universo nos traz. Beijos, meu querido! Adorei te ver por aqui!
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