Sede de desequilíbrio era o que sentíamos. Ele e eu. Silenciosamente selamos nosso acordo que envolvia o vento e o mar, binômio perfeito para abrandar as intempéries da alma. Dirigimos até o clube de vela da cidade mais próxima, em uma manhã ensolarada de uma primaveril sexta-feira. Lá encontramos o mestre velejador, um jovem senhor com cerca de 60 anos, que exibia a pele queimada pelo Sol, com marcas que denunciavam uma vida dedicada ao seu maior prazer. Perguntou nossos nomes inúmeras vezes, revelando sua dificuldade em memorizá-los, e nos ensinou o bê-a-bá dos veleiros. Enquanto aprendíamos sobre velas, cordas e nós, ele, leve como o vento, andava de um lado para o outro, buscando pequenos apetrechos náuticos e explicando, sucintamente, seu funcionamento. Com o peito insuflado e semblante orgulhoso, contou-nos que fora campeão carioca velejando em catamarãs e nos apresentou alguns de seus amigos e alunos, entre eles, Heitor, um rapaz jovem, pequeno empresário da região, que também navegaria conosco. Embarcamos rumo a uma ilha no horizonte, levando conosco a leveza de uma boa conversa. As ondulações se ocupavam de retirar do cenário toda e qualquer monotonia. O velejador, que inicialmente afirmara sua dificuldade com nomes, era preciso com os nossos: “Fulano, sente-se deste lado! Beltrano, cace a vela!”, anunciava, categórico. E enquanto o vento soprava e o sol queimava, o velho velejador ensinava. Manobras, contrapesos, lemes. Solidão, devoção, diversão. Foi o que aprendi. Voltamos ao clube no final daquela manhã, com o corpo salgado, cansado, renovado. Enquanto fazíamos o caminho inverso da ida, desfazendo nós, enrolando e amarrando velas, perguntávamos um pouco mais sobre a vida de cada um. Heitor era argentino e morava no Brasil há alguns anos. Apaixonado por vela, vislumbrava carreira para o filho de um ano e meio. Era dono de duas pousadas e uma casa, que alugava por temporada. Tímido, contava com forte sotaque, um pouco da sua experiência no país que escolheu morar. O tempo pareceu passar mais rápido para ele do que para nós e despediu-se, deixando seu cartão que dizia: “Diego Gonzalez, telefone…”. Confusa, chamei seu nome, certificando-me do engano. Diego, do carro acenou e seguiu resignado seu destino. Aceitou, a manhã inteira, ser Heitor, provavelmente o personagem que melhor lhe coube. O velho velejador acertara novamente. Preferia pessoas a nomes. Mal conseguia gravá-los. Paro e instantaneamente penso em mim, no meu nome, nos meus rótulos. Escolho seguir com todos eles. Sem personagens por ora. Ando até o carro e me despeço do vento, do mar e do velejador. Reencontro meu caminho.
Aline Serfaty
Lindo , exceto pela manhã ensolarada primaveril etc
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Que ótima escrita, que lindo texto, Aline! Adorei conhecer o blog! Um espaço para divagar… devagar. Escrever faz muito bem para muitas pessoas como espaço de desestressar, viajar, rememorar, cotejar… E assim dar novos sentidos à vida! Fiquei muito feliz de você me convidar para conhecer este lugar! Beijos!
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