A Prostituta e a Beata

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Saiu com um habitual cliente. Antes, maquiou-se pesadamente, sobrecarregando cílios e lábios. As unhas, compridas e bem feitas, eram cintiladas com cores vivas. O perfume, marcante, penetrava as narinas e selava seu rastro. As roupas, insinuantes e decotadas, exaltavam suas virtudes: pernas, quadris, peitos. Seria sua companhia no evento de negócios. Sentaram-se à mesa e conversaram amenidades. Enquanto bebia um taça de espumante, seguia o clichê sedutor, encarando-o e sorrindo com sensualidade. Em poucas horas estavam no quarto, alguns andares acima do salão do evento. Lá, entre desejos carnais e fantasias, exauriram-se. Em cima, embaixo, para cima e para baixo, sentados, em pé, deitados. Intenso e forte, como ele acreditava que deveria ser. Ela, atuando entre uma ou outra posição solicitada, deleitava-se também. Aquela noite fora como outras. Exerceu seu ofício com afinco e pegou seu dinheiro.

Voltou para casa e encontrou a irmã, Ana. Séria e carola, rezava todos as noites para que a caçula desse rumo a sua vida. Trabalhava vendendo bolos e doces. Acordava cedo e passava o dia mexendo em panelas, aspirando a fumaça que saía de suas misturas, armazenando e entregando encomendas. Era solicitada por um sem-número de clientes e ao final do dia, com o corpo já cansado, deitava-se na cama e suspirava, sabendo que de si, havia dado o melhor. Rezava sua prece habitual e dormia por algumas horas.

Todos os dias viviam a mesma rotina. Uma trabalhava durante o dia e a outra, à noite. Desempenhavam com louvor suas funções, conservando velhos fregueses e angariando novos, afinal, todos buscam prazeres.

O cliente habitual que a levara no evento de negócios passou a buscá-la em casa, sempre que marcavam de se encontrar. Do alto do seu apartamento, a irmã carola espiava da janela, até que o carro se perdesse nas ruas da cidade. Dia desses, esbarraram-se na entrada no prédio. Ele manteve-se impávido e encarou-a. Trocaram olhares em meio à tensão sexual que permeou o espaço entre os dois.

E então, o que era eventual, tornou-se hábito. Quando o cliente noturno chegava, Ana se posicionava na janela. Ele, em um gesto narcísico, saía do carro e olhava para cima, certificando-se de sua presença. Um dia, num ímpeto de loucura, Ana desceu, enquanto a irmã ainda se arrumava. Não houve sedução e nem palavra trocada. Houve atitude e consentimento, que dentro do carro, transformou-se em sexo implacável, tenso e intenso. Com roupas pela metade, descobrindo apenas o que lhes interessava ao toque e ao cheiro, uniram-se em uma dança cujo ritmo era predominantemente frenético. Não houve timidez e nem dogmas. Ela aproveitou cada segundo do curto tempo que ali ficou. O espelho retrovisor, embaçado pelas respirações ofegantes, denunciava sua sensualidade explícita. Não encenava, apenas emanava o tesão que lhe corroía. Suas mãos encontravam lugares nunca antes visitados e sua boca cerrada por lábios espremidos, mantinha presa dentro de si o prazer reprimido. Enquanto esteve ali, experimentou a liberdade completa e irrestrita que há tempos privara-se e realizou um desejo inflamado, latente. Bateu a porta e saiu correndo, fugindo dos seus atos, que ficaram trancados naquele carro. Ele continuou lá, esperando a irmã, que desceu, minutos depois, comendo um pedaço de bolo, entregando-se com culpa ao pequeno prazer.

Naquele dia, ninguém resistira.

Ana, em suas preces, pede perdão. Finalmente entendeu o ofício de sua irmã. Nunca mais rezou por ela.

Aline Serfaty

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Revisado por Fabiana Serra 

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