Foram dias muito esperados, calculados minuciosamente, afinal, havia tanto tempo que não se viam. Inicialmente, o júbilo provocado pelo reencontro trouxe conforto e inundou o ambiente com palavras carregadas de afeto. Mas as palavras se foram e o toque, ainda tímido, embora vislumbrasse acolhimento, recebia formalidade. Tateavam-se com cerimônia, superficializando o que outrora fora fundo. E assim, tudo foi passando, inclusive o tempo, que habitualmente irônico, seguia pregando peças e fazendo-se perceber, ininterruptamente.
Ocupavam-se com as atividades diárias e quase não paravam para contemplar seus próprios pensamentos. A casa, sempre cheia, imprimia personalidade agregadora ao ambiente, mas roubava a intimidade do olhar cauteloso. Deveriam saber que a aparente alegria de ter tantos ao redor encobria a tristeza e o vazio que abrigava-lhes a alma. Raras eram as ocasiões em que poderiam conversar sobre as benesses e agruras da vida, exercendo sensibilidade. Infinitas eram as oportunidades. No entanto, não sabiam como encontrá-las.
Um dia, a sós, ela perguntou-lhe o que pensava, com curiosidade. A resposta veio inesperadamente ríspida, carregada de razões, contrárias às suas. E seu coração, repleto de expressões e sentimentos velados, não soube o que dizer. Era mais fácil calar-se. Permaneceram assim, sentindo frio em pleno verão. Sabiam, no entanto, que a música seria capaz de trazer ritmo, pulso e tônica. Mútua. Então, ela escolheu aquela que sempre lhe trazia paz. E recorreu ao álcool, para encurtar o caminho entre os olhos, que pareciam enxergar-se novamente.
Pareciam.
Aline Serfaty
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Revisado por Fabiana Serra
O encontro do olhar faz o tempo parar…Torço sempre por esse encontro..
Admiro demais sua maneira de se expressar nas palavras escritas.
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Aline, esse tema que você escolheu é muito difícil. Porque tudo começa com o olhar. O olhar mais profundo, que a gente sente na alma. O olhar que queima, que dá calor, que dá frio. O olhar que não nos deixa indiferentes. Mas o tempo é implacável e distancia esse olhar. Quando a gente se dá conta, muita coisa já aconteceu e nem percebemos. Será que dá pra recuperar?
Parabéns pelo texto!
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