Era uma espécie de desgraça, uma praga que se assolara. Estava perdidamente apaixonada. E vinha sobrevivendo. A causa ainda era desconhecida, no entanto, tinha lá suas suspeitas. Sentia-se sob efeito de um encanto que confundia sua razão e a impelia em direção ao objeto de desejo.
Encontravam-se às escondidas, uma vez que ele, em poucos meses, contrairia matrimônio. Percebiam-se suspirando em meio ao enfadonho dia-a-dia. Certa vez, em um de seus encontros, ele confessou-lhe. Fora seu perfume que primeiro lhe chamara a atenção. Intenso e marcante, ele imaginou a personalidade da mulher que olhava. Seus belos contornos eram demasiadamente óbvios. Então, preferiu seu rastro.
Ela, por sua vez, passou a usá-lo diariamente, como um patuá. Sentia-se cobiçada. Aquele cheiro, doravante, era parte de sua personalidade intensa e eufórica. E montava o cenário voluptuoso e químico que se originava nos intervalos do café, em horários de almoço ou depois do expediente, quando se encontravam.
Entretanto, o sossego um dia chega, insípido e inodoro, como um dia sem sol. E ele, que tanto cheiro sentia, casou-se com uma dessas que usam colônia. Encontravam-se cada vez menos. O sim, dito por ele no altar, trouxe, para ela, o enterro da esperança. Seu mundo ruiu e a dor se fez constante, perpetuando-se através de noites insones, cigarros queimados e angústia pensada. Lamuriava-se dia e noite por sua perda. Por um longo tempo, seus dias foram tristes. Via-o zanzar pelos corredores do escritório com um breve sorriso no rosto e uma alegria que, para ela, beirava a descompostura. Examinava-o, minuciosamente, em busca de um defeito que a fizesse desistir. Mas, não encontrava.
As amigas lhe diziam o óbvio. Uma nova paixão ou um simples flerte. No entanto, ela ainda não conseguia. Sabia que o convívio diário era devastador e por melhor que acordasse, bastava vê-lo para mudar os planos, minuciosamente arquitetados ao pé do travesseiro. Sentia-se perdida. Um dia, candidatou-se a uma vaga de emprego fora do país. Apenas uma. E foi convocada. Partiu levando consigo poucas malas e o que lhe sobrara de força para recomeçar, desejando, um dia, amar diferente.
Antes, entregou à irmã o perfume de odor marcante, e junto com ele, sua história, com a intenção de selar o fim daquela sina. Ilusão.
Pobre irmã, que hoje ama, sofre e chora copiosamente. Apaixonou-se. Perdeu-se. Outro dia, uma amiga perguntou-lhe o nome daquele perfume e ela calou-se com um olhar sofrido e um sorriso amargurado.
Aline Serfaty
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Revisado por Fabiana Serra