Escutou um barulho peculiar que parecia vir do quarto ao fundo do corredor. Eram vozes que ora sussurravam, ora se exaltavam. Deu alguns passos em direção à porta que, cerrada, ocultava o que ali acontecia. Instinto e curiosidade se misturaram, orquestrados pela sinfonia que parecia lhe instigar, cada vez mais. Como uma menina e ignorando tudo o que lhe reprimiu no passado, olhou fundo pelo pequeno buraco abaixo da maçaneta. Não tardou a entender o que se sucedia. O coração bateu mais acelerado, inicialmente por medo. E então, por desejo. Não que nunca tivesse feito, mas não igual, não ali, não daquela forma. Quis entrar e tomar seu lugar, mas não teve coragem. Lá dentro, os dois percebiam apenas um ao outro e respiravam, vigorosamente, entre toques, mordidas e tudo o mais que lhes fosse permitido. Força e submissão, revezando-se entre os personagens que encenavam aquele ato libidinoso. Lá fora, ela olhava e vibrava na mesma sintonia. Sabia que faria melhor. Com mais intensidade e mais vontade. Ainda ali, em um ménage velado, perceberam-se alcançando o prazer. Todos.
Então, ao longe, ouviu-se um grito intimidador: “Ana! Onde estás?!” O casal, assustado, parou. E ela andou e depois correu em direção àquela voz grave, culpando-se pelo que viu. E recompondo-se pelo que não fez.
Aline Serfaty (e mais dois)
Aline Serfaty
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Revisado por Fabiana Serra
Muito bom!
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Como sempre, uma maravilha de conto! Tempo da narrativa compassado e instigante! Lindo, Aline!
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Obrigada, Cecilia! Pensei nessa coisa meio infantil de olhar pela fechadura e tudo o que se pode encontrar além dela. Beijos!
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Quem nunca quiz olhar pela fechadura? Instigante.
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Nossos sentidos ficam embriagados pela atmosfera de tensão e libido já nas primeiras linhas do conto. O texto nos convida a um ménage à trois virtual, excitante e arriscado, que atropela os limites éticos entre a curiosidade e privacidade. Quando, com o leitor já inteiramente integrado à cena, a voz chama Ana, o clímax é quebrado assim como um despertador nos acorda de um sonho bom.
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Maravilhoso, Paulo! Através do seu comentário, percebi que consegui passar a exata atmosfera do conto! Muito obrigada!! Bjs
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