Era cedo. Levantei e andei até o chuveiro. Enquanto a água molhava meu corpo, e o calor me oferecia conforto, fechei os olhos e me deixei viajar. Diálogos do passado vinham encher de palavras meus pensamentos. Traziam à memória o que parecia ter-se dissolvido, diluído em líquido escorrido pelos olhos. Minhas lentes, naquele momento, mostravam-se embaçadas, submetidas ao filtro sépia que, despercebida, escolhi, para minhas memórias descolorir.
Por mais que lavasse meu corpo, rejeição e abandono insurgiam e obscureciam meu ser. Se por um lado pensava ter-me livrado, ralo abaixo, daquela voz infantil que teimava por atenção e afeto, por outro, escutava seu choro sofrido em meio às divagações e à água que caía.
Acolhi. Porque assim aprendi a fazer.
E aos poucos, encontrei calma, para então, fechar com cuidado, torneira física e mental.
Dei continuidade ao dia de sol tímido, deslizando por trincheiras que me levavam supostamente à proteção da qual precisava. Lacônica, distribuí apenas cumprimentos por onde passei. Dentro, um caos se fazia presente na abundância do sentir. Julguei, contemporizei. Sentenciei, perdoei. Subi e desci nas idas e vindas das tais trincheiras.
E ainda sem resposta, busco. Busco entender, racionalizar. Busco sentir e sentido nas histórias que me conto. Junto tudo dentro de mim e integro quem sou. Aos poucos, troco o filtro e as lentes e enxergo cor. Sinto o brilho. E descubro, em meio às intempéries da vida, que o banho não lava, inunda.
Enche de energia e luz a alma que gosto de ser.
Aline Serfaty
Revisado por Fabiana Serra
Que profundo! Que mergulho! Xô fantasmas! Xô escuridão! Que venha o sol com todas as suas possibilidades!
Lindo texto, irmã querida.
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